Literatura Marginal
A expressão “literatura marginal” consiste na classificação das obras literárias que são produzidas à margem do mercado editorial e cuja autoria refere-se à escritores originários de grupos sociais marginalizados. Tal conceito é concebido na esfera cultural contemporânea a fim de caracterizar a produção de autores que, por sua vez, vivenciam e retratam situações de marginalidade no âmbito social, cultural e político.
Desse modo, os autores que produzem a literatura dita marginal expressam em seus textos o que é peculiar aos espaços tido como marginais, especialmente no que tange ao espaço das periferias.
A produção da literatura marginal traz à tona os temas de apropriação cultural, a definição dos valores que unem uma comunidade, a construção da linguagem como meio de construção da identidade periférica e, sobretudo, fornece voz àqueles que, durante muito tempo, permaneceram no silêncio da esfera social.
Sérgio Vaz (1964) é poeta brasileiro. Fundou em 2000 a Cooperativa Cultural da Periferia (Cooperifa). Também foi o criador do Sarau da Cooperifa, que semanalmente reúne cerca de 400 pessoas no Jardim Guarujá para ler e criar poesia. Promoveu em 2007 a Semana de Arte Moderna da Periferia, inspirada na Semana de Arte Moderna de 1922. Seus primeiros livros foram edições independentes. Só veio a ser publicado por uma editora em 2007, quando a Global lançou Colecionador de Pedras.
Dentre as obras de Sérgio Vaz, um texto que trabalha a temática da apropriação dos bens culturais do centro para o contexto da periferia é o “Manifesto da Antropofagia Periférica”. Nesse manifesto, o autor reconfigura o “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade e viabiliza vislumbrar a identidade cultural e social da periferia, enquanto espaço que promove a união de valores de um grupo à margem da sociedade:
“A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.”
Nota-se, em seguida, o clamar de uma voz que grita pela igualdade e legitimidade das produções marginalizadas no cenário cultural do país. A arte revela-se como meio de subsistência, como instrumento de libertação face à opressão e à hegemonia dos grandes centros:
“A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha. A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.”
Sérgio Vaz, em seu manifesto, dá voz à periferia e reconstroi sua identidade, ela deixa de ser margem para tornar-se o centro. Nessa nova constituição identitária, o artista é aquele que resignifica a arte, ele é o artista-cidadão, que está à serviço da comunidade e da cultura como fonte de subsistência para a periferia.
“A Periferia unida, no centro de todas as coisas Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala. Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala. É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país.”
O poeta, por fim, revela o seu posicionamente frente às produções culturais de massa, que manipulam e sugam a cultura como subproduto de consumo enlatado. Ao apropriar-se de um texto de vanguarda, como o de Oswald de Andrade, Sérgio Vaz promove um questionamento sobre a produção da arte e quem dela se serve. Nesse sentido, percebe-se uma proposta que questiona a razão de ser da arte e do artista frente ao cenário cultural brasileiro.
“Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado. Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”. Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.”