Literatura em Rede

confluências teóricas entre o literário e o digital

Literatura e Outras Manifestações Artísticas

Tal definição abarca a relação da literatura com outras manifestações artísticas. Trata-se de pensar a confluência das linguagens em diferentes tipos de representações, sejam elas inerentes ao campo da música, do teatro, da pintura, da fotografia; dentre outros. Assim, deve-se partir do conceito de que a linguagem artística é polissêmica, ou seja, ela abrange uma pluralidade de significações e formas de compreender o mundo que nos cerca.

Com isso, pensar a literatura em contato com outras manifestações artísticas refere-se à uma atividade de caráter interdisciplinar, cujas relações entre os diferentes meios de expressão da arte promovem a constante remotivação dos conceitos que permeiam o âmbito da criação literária.

Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho nasce no dia 2 de setembro, em São Paulo. É músico, poeta e compositor e artista visual brasileiro. É conhecido na América do Sul por ser um dos principais compositores da música pop brasileira, respirando de influências concretistas e pós-modernas. Dentre as obras que publicou destacam-se Ou e (1987), As Coisas (1992), 2 ou + Corpos no Mesmo Espaço (1997), Palavra Desordem (2002); dentre outros.

* A leitura desta análise deve ser feita em conjunto com a escuta do áudio: Link Aqui.

O poema “Inferno”, que também possui versão em áudio gravado no formato de CD, está presente na obra 2 ou + Corpos no Mesmo Espaço (1997). Fazendo clara alusão intertextual à construção da imagem poética do inferno presente na obra A Divina Comédia (1320), de Dante Alighieri, Arnaldo Antunes constrói, por meio de um jogo de palavras, rimas e musicalidade, uma percepção do inferno a partir da relação com o movimento. O inferno é o espaço de estagnação, onde a vida não tem movimento, é estática e infértil, sendo que o espaço para existir caracteriza-se por uma abrupta lentidão, monotonia, pelo esgotamento, deixando o leitor extasiado em um plano de suspensão:

“Aqui a asa não sai do casulo, o azul
não sai da treva, a terra
não semeia, o sêmen
não sai do escroto, o esgoto
não corre, não jorra”

A visão poética do inferno, no poema de Arnaldo Antunes, desloca o pensamento para a palavra, de modo que o próprio vocábulo, em um processo de experimentação, assume a forma imagética do movimento em um plano de desaceleração. Tais movimentos tornam-se cíclicos, a atmosfera que permeia o inferno encerra os elementos em um processo de seriação, que se projeta das contorções diretas das palavras e dos sons:

“a fonte, a ponte
devolve ao mesmo lado, o galo
cala, não canta a sereia, a ave
não gorjeia, o joio
devora o trigo, o verbo envenena”

A vida revela-se inerme e passiva diante de um espaço de existência que, no plano linguístico, evidencia a ambivalência centrada na dialética vida/morte. As imagens poéticas que Arnaldo Antunes constrói promovem a remotivação entre a poesia e o homem, a escuta e a imaginação, entre o olhar e o sentir.

“o mito, o vento
não acena o lenço, o tempo
não passa mais, adia,
a paz entedia, pára”

Os substantivos, nessa acepção sinestésica e experimentalista, mesclam a escuta, a visão e a sensação; as quais, por sua vez, conectam a escrita literária do poema com a construção do plano musical. A desaceleração rege o ritmo das palavras, que são absorvidas em um vórtex temporal. O movimento silencioso do poema, em uma gradação que passa a construir se cíclicamente, sugere uma apreensão da existência caracterizada pelo esvaziamento do ser. O que deveria ter vida, já não tem. Aquilo que deveria pulsar, já não pulsa. O inferno é, pois, a ausência da vida que, sem saída, se apaga e continua em um movimento monótono de seriação constante.

“o mar, sem maremoto,
como uma foto, a vida
sem saída, aqui,
se apaga a lua, acaba
e continua.”

1- O poema de Arnaldo Antunes estabelece uma relação intertextual com a obra de Dante Alighieri. Ao comparar ambos os textos, quais elementos da linguagem poética podem se relacionar com a linguagem musical?
2- Quais imagens poéticas caracterizam a construção do inferno, do poema de Arnaldo Antunes? Reflita sobre o entrecruzamento sinestésico dos vocábulos que permitem o olhar, o ouvir e o sentir.

Link para o áudio do poema “Inferno”: https://www.lyrikline.org/pt/poemas/inferno-5635. Acesso em 28/01/2019.
SANTOS, Marina Valesquino Affonso dos. “O corpo, o pensamento e a palavra na poesia de Arnaldo Antunes”. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, 2018.

CATACCHIO, Gianmarco. “As palavras, as coisas e o corpo: visão da materialidade na obra de Arnaldo Antunes.” Dissertação de mestrado em estudos comparatistas, Universidade de Lisboa, Portugal, 2014.