Literatura e Intermidialidades
O conceito de intermidialidade definiu-se no contexto acadêmico alemão, no âmbito dos Estudos Interartes (Interarts Studies). Tal noção aponta para o cruzamento das fronteiras entre as mídias e a hibridização, tendo a materialidade e a midialidade como escopo das práticas artísticas e culturais.
Ao considerar-se, por exemplo, a relação entre a música, o cinema e os meios digitais, pode-se relacioná-los com o cruzamento das fronteiras entre as mídias, caracterizando-se, assim, a construção da intermidialidade existente em tais produções. A intermidialidade é, nesse sentido, um construto semiótico-comunicativo, o qual se desenvolve por meio de formas midiáticas de articulação no domínio dos objetos digitais.
Samir Mesquita (1982) é autor curitibano. Uma de suas principais obras é o livro Dois Palitos, no qual o leitor há de se deparar com a figura de bêbados, suicidas, divorciados e indivíduos com um quê de amargor. No estilo do autor, sua obra caracteriza-se por ser um livro microcontos, os quais vem empilhados dentro de uma caixinha de fósforos reproduzida em ambiente digital. Segundo o autor, os temas de sua obra “nascem da observação do cotidiano. As pessoas ainda estão descobrindo esse gênero do microconto, que é uma leitura leve e rápida.”
*Esta análise deve ser lida juntamente com o livro em meio digital: Link Aqui.
Samir Mesquita, em seu livro Dois Palitos (2007), constrói uma obra em formato de uma pequena caixa de palitos, a qual dialoga com a textualidade eletrônica. Nesta caixa, o leitor se depara com 50 microcontos, os quais são criados em uma animação gerada pelo Adobe Flash, que foi anexada ao site do escritor. Os pequenos contos não exigem uma leitura sequencial, conferindo liberdade para que o leitor se surpreenda com um microconto que lhe é direcionado aleatoriamente. Na versão para a internet, deve-se atentar para a experiência fornecida pelo meio digital, o qual viabiliza o contato com imagens interativas. Ao receber o click do mouse, o microconto, cuja brevidade de tempo de leitura corresponde ao tempo da chama que se esvai no palito de fósforo, logo é revelado ao leitor:
Fonte: http://www.samirmesquita.com.br
Além da relação interativa, a qual é viabilizada pelo ambiente digital, verifica-se a recorrência de temas cotidianos, que trazem um quê de humor e dialogam com as experiências da vida em seu lugar comum, seja em um contexto de caráter conjugal, familiar, etc.
Fonte: http://www.samirmesquita.com.br
A hipertextualidade da obra de Mesquita centra-se na ausência de linearidade, o que coloca o leitor frente à experiência de reconhecer os elementos da composição literária (personagens, espaço, tempo). Um dos temas frequentes, dentro de um contexto contemporâneo de patologias e solidão, é o da loucura:
Fonte: http://www.samirmesquita.com.br
A obra de Mesquita convida o leitor à vivenciar o momento de criação da narrativa no momento em que ela é projetada em seu campo de visão. Pode-se afirmar, dessa forma, que o processo de interatividade entre escritor, texto e leitor é potencializado pelo ambiente digital, o qual ressignifica o próprio fazer literário e os elementos que à ele são inerentes. Nessa perspectiva, tem-se a apreensão dos temas corriqueiros do cotidiano, que são abstraídos na experiência da leitura:
Fonte: http://www.samirmesquita.com.br
Na relação amorosa, o recurso do humor é construído pela perspicácia em lidar com o jogo de palavras:
Fonte: http://www.samirmesquita.com.br
Desse modo, pode-se inferir que, a partir do contato com a escrita literária em meio digital, o texto passa a ser ressignificado, bem como o processo de recepção da obra pelo leitor. Nesse sentido, o leitor tem o papel de apreciar e valorizar a atividade da leitura como uma atividade também criadora, na medida em que ela depende de sua ação para que o microconto seja acionado da caixinha de fósforos. Tal criação literária permite uma nova concepção do conceito de literatura, promovendo um espaço mais dinâmico, renovável que é construído e reconstruído pela literatura em rede.