Literatura e Ecocrítica
A definição de ecocrítica fundamenta-se no princípio de que “todas as coisas são interligadas com as outras” (GLOTFELTY, 1996, p.19). Desse modo, pode-se dizer que a ecocrítica pauta-se na relação compreendida entre escritor/texto/mundo.
O conceito de ecocrítica baseia-se na compreensão do universo, que engloba as relações humanas no âmbito da esfera social, se expandindo ao ecossistema em sua totalidade. A ecocrítica compreende a natureza na literatura a partir da relação do homem com o meio natural, em uma perspectiva planetária, viabilizando, desse modo, a construção de um modus vivendi ecológico.
Rodrigo Garcia Lopes (1965) é natural da cidade de Londrina. É escritor, poeta, tradutor e jornalista experimentado em diversos veículos. Nos anos de 1990 à 1992, viveu nos Estados Unidos, onde realizou mestrado na Arizona State University. Ao longo dos anos traduziu a poesia de Ezra Pound, Sylvia Plath, William Carlos Williams, Robert Creeley, Gertrude Stein, Laura Riding, Gary Snyder, Charles Bukowski, John Ashbery, Jim Morrison e Samuel Beckett.
Dentre a produção poética de Rodrigo Garcia Lopes, destaca-se o poema Stanzas in Meditation”, o qual ilustra a relação intercambiável do homem com o meio natural, o qual não é mera representação estática de um cenário, mas revela-se como um verdadeiro protagonista, como pode-se observar nos versos iniciais:
“Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior
destas montanhas: uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa —
O ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,”
Ao pensar o poema de Garcia Lopes por meio da perspectiva da ecocrítica, pode-se afirmar que há um envolvimento entre a literatura e a ecologia, na medida em que a natureza pulsa como um organismo vivo, despertando sons e sentidos, revelando a configuração de uma imagem poética da natureza como elemento pulsante, dinâmico, que vive e se expressa na musicalidade das palavras e na fluidez do ser que está integrado nesse ecossistema, símbolo maior da existência oriunda do farfalhar das flores, das pegadas de um animal, do som da água de um riacho e do vento que se agita.
“A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.”
O elemento norteador do plano linguístico que faz emergir a compreensão da natureza como criatura viva é, justamente, a figura da sinestesia, a qual consiste em recurso semântico, capaz de tornar o texto mais expressivo. Ela ocorre quando as sensações e sentidos se misturam, como pode-se perceber no excerto do segmento do poema:
“Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
— a areia do dia exibindo sua rasante —
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus.”
A partir da expressividade dos sons e dos sentidos evocados pelas imagens da neblina, a relva úmida, a areia rasante, o vento a dançar e, por fim, a liquidez da chuva que desaba, nota-se como o existir da natureza é pulsante, fluído, perene, um elemento vivo em constante renovação, que se constrói e reconstrói na fixidez e plenitude do ecossistema, esse mundo que existe no modus vivendi do meio natural e do homem. Não se trata de existir, mas de coexistir em um mundo onde:
“o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.”